Correio Central
Voltar Notícia publicada em 03/07/2020

A ilusão por trás dos NÚMEROS OFICIAIS da pandemia e a inefetividade jurídica da Portaria Conjunta nº 11/2020

"Uma medida imposta de cima para baixo, sem suficiente crença na sua necessidade por parte dos respectivos destinatários direto (o povo)..."

Segundo o clássico chavão popular, frequentemente ecoado entre as mais variadas esferas de debate, “OS NÚMEROS NÃO MENTEM”. 

Talvez com base nessa lógica o governo estadual de Rondônia se valeu de critérios estatísticos, baseados justamente nos NÚMEROS OFICIAIS, para classificar o nível de gravidade dos efeitos da pandemia do COVID19 (ainda em curso) circunscrito entre os municípios rondonienses. 

 

O maior problema, entretanto, depreende-se do fato de que, por força dos mais variados motivos e em razão das mais distintas circunstâncias, os NÚMEROS OFICIAIS ainda não dão conta de descrever de maneira precisa e inequívoca o real cenário do problema em voga, revelando assim muitas distorções, sobretudo entre contextos comunitários e locais tão diferentes uns dos outros. 

Se os NÚMEROS NÃO MENTEM, a compreensão do que eles representam pode ser equivocada. 

 

Por exemplo, nos termos da Portaria Conjunta nº 11/2020, baseando-se nos NÚMEROS OFICIAIS, o menor (e talvez mais isolado) município rondoniense (Pimenteiras do Oeste, que possui por volta de 2.169 habitantes e não computa até então nenhum óbito por COVID-19) atualmente precisaria adotar as mesmas medidas de isolamento social da maior e mais movimentada cidade do nosso estado (a capital Porto Velho, que abriga pelo menos 529.544 habitantes e já reúne mais 354 óbitos). Ambos foram classificados como Fase 1. 

 

Colocando em perspectiva essa comparação, entre realidades tão antagônicas, como as de Pimenteiras do Oeste e Porto Velho, revela-se compreensível a razão de o isolamento social imposta na Portaria se mostrar tão questionado pela maioria da população. 

 

Qualquer critério puramente matemático e generalizante, assumido para descrever e classificar fenômenos por essência multidisciplinares e de atributos culturais diversos (como os impactos da COVID em cada município), fatalmente não corresponderá as expectativas idealizadas, assumindo como efeito colateral, em contrapartida, uma feição reveladora de incompatibilidades gritantes com a “realidade” em regra percebida e vivenciada no dia-a-dia. 

 

Uma medida imposta de cima para baixo, sem suficiente crença na sua necessidade por parte dos respectivos destinatários direto (o povo), serve muito mais para alimentar uma atmosfera de desobediência, resistência e ressentimento diante de toda e qualquer nova medida política/governamental adotada, não importando qual seja e nem mesmo a quem atinja de maneira mais drástica (se o comércio, os profissionais autônomos ou ainda outros segmentos). 

 

Em outras palavras, a Portaria Conjunta nº 11/2020 encontra todos os requisitos necessários para na prática se mostrar vazia de efetividade jurídica. Não precisaríamos recorrer ao Direito ou aos demais conhecimentos das ciências sociais aplicadas, para chegarmos a essa conclusão.

Basta o bom senso para perceber que municípios como Buritis, Campo Novo de Rondônia, Alto Paraíso, Cujubim e Machadinho do Oeste demandam estratégias completamente diferentes no enfrentamento ao COVID-19 do que municípios como Porto Velho, Candeias do Jamari e Guajará-Mirim.

 

Esses, no mesmo sentido, não podem ser equiparados a Ouro Preto do Oeste, Jaru e Ji-Paraná, tampouco a Pimenteiras do Oeste ou a Vilhena, Cacoal e Rolim de Moura, entre tantos outros também enquadrados na chamada “Fase 1”. 

 

Aliás, “curiosamente” nenhum município do estado se encontra na “Fase 2”, mas apenas na “Fase 1” (isolamento social drástico) e na “Fase 3” (proibição apenas de aglomerações em shows, boates, cinemas e clubes). 

Por certo há algo errado com o critério. OS NÚMEROS NÃO MENTEM.

 

Autor: Breno Maifrede Campanha

Doutorando em ciência jurídica

Mestre em direitos e garantias constitucionais

Pós-graduado em direito processual, ambiental e urbanístico

Professor/Pesquisador constitucionalista

Advogado

 

Fonte: www.correiocentral.com.br

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