O número de crianças e adolescentes que são transferidos para terceiros, por pais que se aventuram em viagens para o exterior em busca de uma vida melhor, tem gerado conflitos diversos no público infantojuvenil, e o tema foi abordado em um artigo de autoria da pedagoga e assistente social Maria Alice Nicácio, que atua no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), em Ouro Preto do Oeste - RO.
Ao deixarem seus filhos para trás com parentes e terceiros, esses pais promovem uma espécie de “terceirização” de seus descendentes, que com o tempo passam a apresentar problemas comportamentais e psicológicos, e muitos abandonam os estudos antes de completar o ensino fundamental, e se envolvem em aventuras que não vai acabar bem. Sem expor personagens, o artigo retrata que na região de Ouro Preto do Oeste cresce um grande número de crianças e adolescentes nessa condição.
No artigo, a profissional da área de assistência social de Ouro Preto do Oeste revela que, no convívio do trabalho de intermediar conflitos envolvendo crianças e adolescentes, ouve relatos deles admitindo que por estarem muitos anos longe dos pais pouco se lembram de suas fisionomias. (Edmilson Rodrigues)
Leia abaixo o artigo na íntegra
FILHOS DE NINGUÉM!
Após atender e presenciar inúmeras situações de crianças e adolescentes em situação de conflito com a lei resolvi escrever algo sobre o assunto. De quem será a culpa de uma jovem sociedade entregue ao abandono e ao descaso, seria do governo, da família, do sistema que exclui ou da sociedade que não acolhe?
Procurar culpados não traria a solução para um grave problema que ameaça a segurança pública e as famílias de “bem”. Quem seriam esses jovens que abandonam os estudos ainda sem concluir o ensino fundamental. De quem seriam esses filhos do abandono?
Muitos foram gerados por pessoas que saíram do país para proporcionar aos filhos aqui deixados com 3, 4 anos de idade, uma vida confortável financeiramente. Mais e daí essa vida veio? Às vezes sim, veio em forma de roupas, sapatos e aparelhos de celular modernos. Mais e daí?Isso substitui a presença dos pais na criação dos filhos, isso paga a falta que eles fazem no dia adia desse jovem?
Qual é o valor pago por essa ausência? Será que um celular novo e moderno é mais interessante que um passeio de mãos dadas num domingo, ou uma partida de futebol em família, e ainda um beijo na testa toda noite ao dormir. Será que já se perguntaram o que esse jovem gostaria realmente de ter, a presença do pai e da mãe em suas vidas ou um presente caro tão sonhado.
Acho que os valores estão bem invertidos nesse sentido, pois estamos pagando com coisas materiais a ausência e a responsabilidade de deveríamos ter diariamente com nossos filhos. E muitos ainda se desacostumam de serem pais e esses “pobres” filhos de ninguém ficam à mercê da rua, onde são adotados por quem lá está, e onde a aprendizagem adquirida não agrada muito a Lei.
Já conversei com crianças e adolescentes que não veem os pais há mais de 5 anos e disse que pouco se lembram das suas fisionomias. Um me relatou que sentia falta do cheiro da sua mãe, pois era a única coisa que ainda se lembrava e era com o que pensava quando ia dormir.
Até onde um presente caro ou um valor considerável enviado mensalmente irásuprir a falta da família, qual será valor de família que esse jovem terá no futuro. Ele saberá o preço de muitas coisas, porém não saberá o valor de nada.
Como se não bastasse toda situação de quem fica com quem e onde fica até começar a dar problemas, sendo a casa da tia, da avó de outra tia, da madrinha e assim vai virando o ciclo, onde cada um “cuida” um pouco até o dia que ninguém dá conta de cuidar mais. Chegamos ao ponto da terceirização da criação desse jovem não ser mais assumida por ninguém, e daí vai para as autoridades ver o que dá pra fazer com a tal criatura.
Sabemos que a crise no país e grande, e que a oportunidade de adquirir bens materiais muitas vezes vem de um lugar distante. Porém se optamos por ter filhos, precisamos saber que não dá para criá-los pelo face book ou watszap, é preciso estar presente na vida deles e não mandando presentes de longe. Precisamos repensar nos valores que estamos passando para essa jovem sociedade tão bonita, porém tão vazia de bons sentimentos.
Será que adianta construirmos casas enormes e confortáveis, almejando um futuro maravilhoso, e que quando esse futuro chegar teremos quem colocar dentro dessas casas? Estamos perdendo nossos jovens diariamente para as ruas, pois enquanto buscamos bens materiais, as ruas oferecem companhia, lhes ouvem e dispõe de opções para amenizar as suas dores. Porém o preço pago por tudo isso é muito alto e resgatar um jovem após tê-lo perdido para as ruas é uma tarefa bem difícil.
Precisamos repensar nessa linda e “difícil” tarefa de ser pai e mãe, pois ela exige da gente compromisso, seriedade e amor.
Se os nossos pais nos criaram com todas as dificuldades que tiveram e mesmo assim não nos abandonaram; porque estamos punindo nossos filhos dando-lhes tantos presentes caros e junto com isso a nossa ausência.
"Viva de tal forma que quando seus filhos pensarem em justiça, honestidade, generosidade e integridade eles se lembrem de você."
Autora: Maria Alice Nicácio
Pedagoga e Assistente Social
CREAS/ Ouro Preto do Oeste