Correio Central
Voltar Notícia publicada em 26/12/2014

Juíza do Caso Eliza Samudio defende importância da criação do feminicídio

Está tramitando o projeto de lei que prevê a criação do feminicídio como qualificadora de homicídio no caso de assassinatos de pessoas do gênero feminino no Brasil. Na quarta-feira (17), os senadores aprovaram o PL 292/2013, que agora segue para análise e votação na Câmara dos Deputados. Juíza é con

“A mulher não pode ser vista como objeto de posse”. A afirmação é da juíza Marixa Fabiane Rodrigues, que ficou conhecida após o julgamento do caso Eliza Samudio, que terminou com a condenação do goleiro Bruno Fernandes.

 

Marixa foi convidada pela ONU Mulheres a participar das discussões do projeto de lei que prevê a criação do feminicídio como qualificadora de homicídio no caso de assassinatos de pessoas do gênero feminino no Brasil. Na quarta-feira (17), os senadores aprovaram o PL 292/2013, que agora segue para análise e votação na Câmara dos Deputados.

 

Na votação, a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), relatora do projeto de lei, falou em plenário sobre a importância da criação do feminicídio no Brasil, segundo a Rádio Senado. “Como podemos ficar impassíveis diante de tamanha barbárie? Como pode o Congresso Nacional, depois de presenciar um de seus membros [referindo-se às declarações do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) sobre a também deputada Maria do Rosário (PT-RS)] banalizar o crime de estupro contra as mulheres na tribuna da Câmara dos Deputados, silenciar sobre o assunto? Por isso a importância da votação deste projeto. Até como uma resposta concreta deste parlamento a esta situação de barbárie que atinge as mulheres brasileiras”, defendeu a senadora.

 

Segundo o estudo Mapa da Violência, publicado em 2010 e atualizado em 2012, entre 1980 e 2010, mais de 92 mil mulheres foram mortas no Brasil, sendo 43,7 mil somente na última década. De 1980 a 2010, este tipo de crime teve um aumento de 230%. No ranking internacional de 2010, o Brasil era o sétimo país em mortes de mulheres em 2012, perdendo para El Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia, Colômbia e Belize.

 

No ranking nacional, o Espírito Santo é o estado com a maior taxa de morte de mulheres por 100 mil habitantes: 9,8. Em seguida, vêm Alagoas (8,3), Paraná (6,4), Pará (6,1), Mato Grosso do Sul (6,1) e Bahia (6,1). Minas Gerais aparece em 20º, com 4,1. O estado com a menor taxa é o Piauí, com 2,5.

 

O que é feminicídio
O feminicídio é, segundo a juíza Marixa Fabiane, a morte de pessoas do gênero feminino por causa do gênero. E neste contexto estão os crimes popularmente conhecidos como passionais, além de assassinatos em que se verifique o tratamento à vítima como objeto possível de ser descartado. E a criação da qualificadora é importante porque estes assassinatos não serão mais julgados como homicídio simples, e passam a ser homicídios qualificados, com pena entre 12 e 30 anos.

 

“A mulher não pode ser vista como objeto de posse. Ela não é posse. No momento em que você está vendo a mulher como objeto de posse, como seu, e você vai lá e mata, que valor você está dando pra esta pessoa? Ela é descartável. Isso é feminicídio”, definiu.

 

Ela explica que, apesar de se chamar feminicídio, a qualificadora poderá ser usada em alguns casos de mortes de transexuais, por exemplo, se for comprovado que a vítima estava travestida de gênero feminino e que o assassinato se deu por conta deste gênero.

 

Outros exemplos que ela dá são casos de grande repercussão atualmente, como o suspeito que confessou ter matado dezenas de mulheres no Rio de Janeiro e o serial killer de Goiânia. Relembrando casos de grande comoção, exemplificam o feminicídio a morte de Eliza Samudio [ex-namorada do goleiro Bruno Fernandes. O atleta foi condenado como mandante do crime, além de outras pessoas também condenadas pela participação no crime], o assassinato da advogada Mércia Nakashima em Guarulhos (SP) [seu ex-namorado Mizael Bispo foi condenado pela morte, mas recorreu da sentença], e a morte da atriz Daniela Perez [filha da autora Glória Perez, morta pelo ator Guilherme de Pádua e por sua mulher, Paula Thomaz, em 1992].

 

“Isso é crime de ódio. E essa discussão é que vai ser colocada a partir do momento que se tipificar a conduta do feminicídio. Vai provocar uma reflexão em toda população. Vai provocar um debate amplo em torno da morte de mulheres. Então, esse debate vai ser o principal fruto da qualificação do crime. Os acadêmicos de direito vão estudar, vai começar a ter o debate doutrinário, porque os juristas vão se debruçar sobre o tipo penal, ou para criticar, ou para elogiar. (...) Que se fale que está bom, que está ruim, isso é o debate. Que se discuta. O que não pode é fingir que está tudo normal”, disse a juíza.

 

Grupos de trabalho sobre feminicídio
A juíza Marixa Fabiane contou ao G1, em entrevista exclusiva, que recebeu com surpresa o convite da ONU Mulheres, organismo das Nações Unidas voltado para a promoção da igualdade entre os gêneros e para o empoderamento das mulheres. O destaque que a juíza conquistou com a condenação de seis pessoas pelo sequestro e morte da jovem Eliza Samudio e pelo cárcere privado de seu filho foram fundamentais para esta escolha. Além do goleiro Bruno, estão entre os condenados o amigo Luís Henrique Romão - o Macarrão, e o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos - o Bola.

 

Marixa integra dois grupos de trabalho que têm se reunido em Brasília a respeito do PL 292/2013. Um deles é o grupo que trabalha na adaptação às leis brasileiras de um protocolo internacional de investigação de mortes violentas de mulheres. Este protocolo, existente no México, será adaptado à realidade brasileira e servirá como apoio para investigações e delegados da Polícia Civil na apuração deste tipo de crime, além de auxiliar também promotores no oferecimento de denúncia à Justiça a respeito destas mortes.

 

O outro é formado por magistrados e juristas para a elaboração do artigo a ser incluído no Código Penal, caso seja aprovado pelos deputados e sancionado pela presidente Dilma Rousseff.

Grupo de trabalho coordenado pela ONU Mulheres para adaptação do protocolo de investigação do feminicídio (Foto: Marixa Fabiane Rodrigues/Arquivo pessoal)
Grupo de trabalho coordenado pela ONU Mulheres
para adaptação do protocolo internacional de
investigação do feminicídio

A juíza explica que, atualmente, 14 países latino-americanos já têm o feminicídio como crime previsto em seus códigos penais. E que o Brasil vem sofrendo uma pressão internacional para a tipificação do crime. Mas, aqui, o PL 292/2013 propõe a criação do feminicídio como qualificadora de homicídio, e não um tipo de crime isolado. “Esse nosso Congresso é bem conservador, bem machista. Então, a gente acredita que a proposta do PL 292/2013, que prevê a criação do feminicídio como uma qualificadora, vai ter mais força”, explicou.

 

A coordenadora do grupo de trabalho para a adaptação do protocolo e consultora da ONU Mulheres para acesso à Justiça, Wânia Pasinato, disse que a aprovação do projeto de lei no Senado é uma vitória para as lutas no Brasil e para o enfrentamento das mortes de mulheres. “Não estamos falando mais de crimes passionais, mas da desigualdade de uma estrutura de poder, que afeta de maneira desproporcional as mulheres”, ilustrou a consultora.

 

Segundo a consultora, a criação da qualificadora de feminicídio no Código Penal vai significar “um compromisso que o Estado Brasileiro assume e tem assumido diante da comunidade internacional dos direitos humanos”.

 

Agora, o Projeto de Lei 292/2013 vai para votação na Câmara dos Deputados, onde ainda pode sofrer alterações. Se isso acontecer, ele volta para última análise dos senadores. Se for aprovado, o texto segue para sanção da presidente Dilma Rousseff. 

 

Fonte: G1 MG

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